quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Trecho do livro O Pássaro Pintado, do Jerzy Kosinski

.... vou colocar aqui meu trecho preferido deste livro, depois teço comentários...




..."Às vezes passavam-se dias sem que Ludmila a Idiota aparecesse na floresta. Uma raiva silenciosa apossava-se de Lekh, que, murmurando de si para si, fixava longamente os pássaros nas gaiolas. Afinal, após demorados estudos, escolhia o pássaro mais forte, amarrava-o ao pulso, e, misturando os mais variados ingredientes, pretarava tints fétidas de diferentes cores. Quando estas o satisfaziam, virava o pássaro e pintava-lhe as asas, a cabeça e o peito em tons brilhantes, até torná-lo mais colorido do que um buquê de flores silvestres.
Íamos então para a parte mais densa da floresta, Lekh me entregava o pássaro pintado, mandando que eu o apertasse de leve nas mãos. Cedo seus gritos atraíam companheiros da mesma espécie, que se punham a revoar sobre nossas cabeças. Vendo-os, o prisioneiro debatia-se gritando ainda mais, e o coraçãozinho, trancado no peito recém-pintado, batia violentamente.
Quando o número de pássaros era suficiente, Lekh fazia-me um sinal para soltar o prisioneiro. Livre e feliz, lançava-se para o alto, pequeno arco-íris contra o céu cinzento, mergulhando na revoada escura de seus irmãos. Por um instante a surpresa tolhia os pássaros. A mancha colorida voava em meio ao bando, tentando convencê-los de que lhe pertencia. Mas, confundidos pela plumagem brilhante, os outros o rodeavam incrédulos e quanto mais o pássaro pintado tentava incorporar-se ao bando, mais o rejeitavam. Logo, um depois do outro, começavam a atacá-lo, arrancando-lhe as penas multicores, até fazer-lhe perder as forças, precipitando-o ao chão.
Estes incidentes aconteciam com frequência, e, geralmente, quando recolhíamos o pássaro pintado já o encontrávamos morto. Lekh examinava atentamente as feridas. Por entre as asas coloridas o sangue gotejava diluindo a pintura e manchando-lhe as mãos.
Ludmila a Idiota não voltava. Lekh, sombrio e carrancudo, retirava das gaiolas um pásaro depois do outro, pintava-os de cores ainda mais alegres e os soltava no ar entregues à ferocidade de seus congêneres. Um dia, tendo capturado um enorme corvo, pintou-lhe as asas de vermelho, o peito de verde e a cauda de azul. E quando um bando de corvos sobrevoou nossa cabana, libertou-o. Assim que alcançou o bandocomeçou uma batalha desesperada. De todos os lados atacavam o impostor. Penas pretas, verdes, vermelhas, azuis caíam aos nossos pés. Tomados de fúria assassina os corvos esvoejavam contra ele, atévê-lo cair a pique sobre os campos arados. Ainda vivia, o bico aberto, as asas buscando em vão seu movimento, os olhos arrancados, o sangue escorrendo sobre as pena coloridas. Fez uma última tentativa para alçar-se sobre o chão, mas já não tinha mais forças."



Jerzy simplesmente arrebatou toda a tentativa do leitor de achar que os diferenetes tem espaço livre na sociedade....
Quem é diferente é atacado, caçoado, ironizado, excluído. Quem é diferente não é cidadão, não é sociedade. É um corvo sem olhos morrendo ao chão.
Heróis são os que tem a coragem de serem diferentes, de pensarem diferente, de agirem diferente. Einstein foi chamado de louco. A única coisa que Thomas Edison ouviu durante sua vida toda foi: "Nunca vai funcionar".
Os diferentes, os loucos, os pássaros pintados entraram pra história, enquanto o resto do bando nasceu, viveu e morreu no esquecimento. Eram comuns. Eram iguais.

Pense nisso.
Está disposto a ser atacado pelos pássaros por ser diferente? Está disposto a arriscar perder a própria pele, a ser marginalizado, a ser chamado de "maldito", como Proudhon e Bakunin? Madonna era "maldita", lembram? Era diferente, pensava diferente. E hoje, louvada como uma deusa que descobriu a salvação dos povos...
... e então, vai ser igual ou diferente?

Um comentário:

Larisse Gomes disse...

Sabe em que site posso comprar ou fazer download deste livro?